Tempo de leitura: menos de 1 minuto
Primeiro dia
O clima fez das suas na terça, 11 de janeiro, no Rio. Fechado pela manhã, quente e ensolarado à tarde, chuvoso e dramático à noite. Na passarela, da alegria esfuziante da Alessa ao clima soturno da Patachou, a coisa se passou na mesma intensidade. Confira.
Alessa
Abrindo a temporada carioca, garotas de óculos e cabelos presos sugeriam certa contenção nos excessos da Alessa. Dos ombros para baixo, entretanto, a coisa era como costuma ser. E nem havia mesmo motivo para ser diferente, considerando que a estilista se movimenta bem é no excesso. Para os vestidos e calças, muito amplos e de movimento lânguido, a estilista reservou brilhos, estampas de jujubas, cupcakes e outras balas, agasalhou o conjunto com casaquetos de pelúcia colorida, e cunhou algo assim como um estilo de bomboniére retrô.
Filhas de Gaia
A proposta de recriar o ambiente de um romance policial assinado por Agatha Christie, levando tudo que é do universo masculino para o guarda-roupa das garotas, funcionou. As ambiguidades se desdobraram na silhueta, ora estruturada, ora ondulante, em função dos babados, e também na utilização da alfaiataria em soluções tradicionais e em experimentações formais, deslocando o funcional para o decorativo, por exemplo.
Melk Z-Da
O estilista partiu de uma lenda que registra a presença de uma mulher de longa cabeleira transitando pelas paisagens da ilha Fernando de Noronha. O mote serviu para acentuar o tom surrealista que ele corteja em coleções. É daí que surgem casacos-perucas, texturas inesperadas e volumes idem. E também os ombros e mangas que não obedecem cegamente a anatomia. Uma coleção elaborada como ele costuma fazer, fiel ao estranhamento que ele costuma apresentar e, nos dois casos, mais extremada que de outras vezes.
Patachou
Apanhando bastante nas últimas aparições, a Patachou mostra que tem resistência, não perde a direção que lhe valeu as críticas, cresce com elas, e vai impondo algo que começa a ter forma de coerência. O pano de fundo são os filmes de suspense. A roupa é sensual, dramática e em cores escuras.
Segundo dia
Não indiferente, mas como parte da vida que segue adiante, o Fashion Rio emplaca o 2º dia sob o manto de tristeza e chuva que paralisou o Rio de Janeiro com mortes e alagamentos. A moda comercial não tem respostas imediatas para toda a tragédia que se abateu sobre o Estado, e no momento ela cuida de fazer o seu melhor, mas outros poderes, cuja competência é cuidar para que algo assim não se repita, deveriam ter.
Acquastudio
Há quem ame e quem odeie o desfile da Acquastudio, antes mesmo da coisa rolar. Em se tratando de moda, melhor é levar em conta esta capacidade de gerar reações tão distintas uma da outra: pior que indiferença, neste terreno, não há. Na prática, Ester Bauman põem em cena ambiciosos projetos de modelagem arquitetônica e experimental, que tem sim, bom nível técnico e momentos inspirados. Disposta a falar da “fragilidade humana”, dessa vez ela reitera o repertório moda festa com modelagem armada, certa delicadeza nos tecidos, nas muitas texturas e nas estruturas suspensas da modelagem. E aposta na estranheza dos sapatos pesados do Fernando Pires sublinhando o conjunto.
Maria Bonita Extra
A marca fundiu balé e academia, fragilidade e dinâmica e se saiu muito bem nesta modalidade de maior impacto e menos doçura. Sem perder o rumo do que ela vende bem país afora, naturalmente. O ponto de partida são os ensaios da dança, o que se usa neles e como eles avançam pelar ruas quando findam os ensaios. Este mote condiciona e renova o viés esportivo, sujeitado não apenas à fluidez, mas à estrutura e dureza urbana dos casacos armados.
Coven
Identificando o tricô, que é o carro chefe da marca, com teias de aranha, Coven cita Louise Bourgeois, autora da escultura-aracnídeo aprisionada na sala de vidro do MAM, em São Paulo. Bourgeois é uma artista de obra polêmica e brilhante, que faleceu perto dos 90 anos, em 2010. O ponto de partida superlativo rende looks bons retalhados por cores e padrões contrastantes, no estilo singular que a marca desenvolveu e impôs. Uma celebração interessante das possibilidades de tecelagem, que encosta só de leve nas alturas que a citação à artista franco-americana pressupõe.
Giulia Borges
A marca é pop, muito pop. Desta vez, pinçou elementos do trabalho da artista japonesa Nagi Noda, que reinventa bichos com mistura de padronagens. O resultado é meio-onça-meio-zebra, meio-veado-meio-tigre. Também é um pouco surreal. Estranheza não é artigo em falta nesta coleção de exageros, cores conflitantes e alma de brinquedo de pelúcia.
British Colony
Sem medo da cor, nem de outros atributos de verão, British Colony ensaia um convincente inverno de alma tropical. Formas amplas e sutilezas na construção da modelagem qualificam o exercício. No mais, confira os comprimentos curtos para os casacos de garotas e rapazes, as golas experimentais, o amarelo solar e os cruzamentos de estampas em um mesmo look, fechando bem este 2º dia.
Terceiro dia
Walter Rodrigues equilibrado e existencialista e pico fashion protagonizado pela Printing marcaram o 3º dia de Fashion Rio. Confira:
Walter Rodrigues
No começo da década passada, o artista, cineasta e fotógrafo Arthur Omar encarou uma aventura densa. Saiu do Brasil com a finalidade de resgatar alguma parte que fosse das duas colossais e milenares estátuas de Buda destruídas pela violência do Talibã, no Afeganistão. Um gesto poético/político dessa magnitude leva inevitavelmente a outro. A aventura de Omar virou livro e o contato com as imagens captadas por ele impactou Walter Rodrigues, que cita o caso e encara o inverno 2011 em rota existencial. Ele fala de reestruturação e de posicionamento pessoal perante o trabalho, e com este ponto de partida, simplifica, tenta retornar às raízes, e apresenta o que ele chama de “resistência simbólica” em coleção negra, de formas melancólicas e belos vestidos.
Têca
A coleção de peças fáceis da Têca ganhou complexidade no styling, com sobreposição de tops sobre malhas e outros cruzamentos cortejando estranhezas. Helô Rocha dividiu o tema em duas vertentes: a cultura japonesa e a lingerie desenhada na primeira metade do século 20. Em busca de feminilidade, poesia e boas vendas, a coleção já atingiu os 2 primeiros objetivos.
Totem
O soul dos anos de 1970 conduz o inverno da Totem para uma coleção swingada e agradável. Mas, onde canta e dança James Brown, canta e dança Tim Maia. No balanço da Totem, a tropicalidade fala mais alto, com ecos de Brasil e Jamaica. Aberturas, boca de sino, tricô e crochê metalizados e inventivos, e boas estampas geométricas abstratas são devidamente tramados pelo imaginário hand made da época. Para eles e para elas a receita estética é a mesma, variando apenas o inevitável, em mix atual orientando o estilo do passado.
Printing
Deixando correr solta a imaginação, em cores fortes, texturas trabalhadas, proporções inventivas e ótima execução, a Printing pode ser responsabilizada pelo primeiro pico de adrenalina fashion da temporada carioca. A combinação de longo fluído com blusa comprida em tricô assume a frente do mix. Em seguida, entram opções de vestidos limpos e curtos com inconfundível sotaque sessentista. Para deleite geral, a marca se arrisca convicta em cartela maiúscula e atrevida, com azul-royal, amarelo-limão, verde-floresta, coral e pink. Nas coleções da Printing, há sempre uma fonte detectável de influência mais imediata. No passado recente, nada disso atrapalhou as boas apresentações. Acontece o mesmo agora, quando a última coleção Jil Sander parece ter encantado a direção criativa da marca.
TNG
Encerrando o dia, os rapazes da TNG saíram no lucro, com adaptações bem proporcionadas e comerciais do figurino atribuído aos beatniks. A marca também ensaia uma rara e convincente variação em feminino da roupa vestida pelos integrantes do movimento que, como se sabe, foi tocado quase que exclusivamente a testosterona. Como é de praxe, Gianecchini encarnou a celebrity da hora na passarela, encerrando o terceiro dia de desfiles.
Quarto dia
Cantão em momento troca de fontes de inspiração, o mergulho da Redley no asfalto urbano e fardas unidas à roupa de ballet da New Order estão entre os melhores momentos do 4º dia . Que teve ainda a coleção da Coca-Cola, o masculino da R. Groove e uma Espaço Fashion equilibrada e leve.
Cantão
A relação entre arte e o espaço urbano, como elementos resultantes da natureza criativa do homem, norteia a coleção do inverno 2011 da Cantão. Tecidos leves, ou em gramaturas pesadas e cores urbanas, com estampas que lembram drippings de Jackson Pollock, abstrações geométricas de Kandinsky ou as pinceladas do expressionismo abstrato, substituem flores e outras fontes naturais, que até então alimentavam o imaginário hippie chic da marca. Não é à tôa que o desfile foi para o Parque Lage, reduto tradicional do ensino das artes no país. A mudança não altera substancialmente a imagem da marca, e o colorido da nova referência garante o mesmo efeito pop festivo que a Cantão persegue e vende.
Coca-Cola Clothing
A coleção Bohemian Sunset da Coca-Cola fala do deserto da Califórnia e dos viajantes que vagueiam por lá. A cor e o desenho das nuvens no céu, da vegetação e o próprio clima serviram como base para estampas, cartela de cores e texturas. Uma mistura de efeito, sem dúvida, com muito tacheado, tramas, jeans manchado e dourados. Apenas o mix de psicodelia californiana, ajustes sexies na malha e primitivismos, resulta duvidoso. As modelagens justas e curtas, sobrepostas por casacos longos, definem a silhueta das garotas. Para os rapazes, ela é folgada.
Redley
Boa a coleção da Redley, afastando-se da veia naturalista que domina o Fashion Rio para mergulhar em zona densa e urbana. É roupa pensada como composição formal e material esta que a marca escolheu fazer. Deslocamentos na modelagem, superposições de pesos e gramaturas na malha, e uma silhueta construída entre a maciez e a dureza, garantem ao feminino e ao masculino o direito de pisar firme no inverno das grandes cidades.
R. Groove
A ideia de descontextualização deságua no “homem de lugar nenhum”, personagem da R.Groove que tem os pés na estrada. Na verdade, a criatura é um apanhado de coisas dos caminhos que trilhou. Um viajante de raíz urbana, de guarda-roupa funcional e prático, que faz uso do universo militar, assimila várias referências étnicas e sai da experiência marcado também por alguns resquícios estéticos da cultura indígena norte-americana. Passagens difíceis entre uma coisa e outra, e conjunto prolixo aconselham o garoto a repensar os roteiros.
Espaço Fashion
Para o inverno 2011, a Espaço Fashion propõe traduzir nas formas do vestuário os múltiplos significados da palavra afeto. O resgate da memória de tempos passados e as boas sensações que trazemos com ela são as referências para a construção de silhueta feminina desconstruída. Os volumes estão localizados principalmente na região das costas, e tome amarrações, sobreposições, recortes assimétricos, pontas pendentes e babados esvoaçantes de tecido fluído. O conjunto é bonito e a leveza parece mais sustentável para a marca que outros estados. Passou melhor do que na edição passada.
New Order
Soldados e bailarinas alimentam peças híbridas, com associações de farda e tutus verde-oliva e rosa, macacões sóbrios e saias de tule, abotinados e sapatilhas, lona e glitter. Sem borrar as fronteiras entre um universo e outro, mas evidenciando as linhas limítrofes entre mundos tão díspares, a çoleção realiza a mágica de manter ambas as referências intactas ainda que justapostas. Marca de acessórios, a New Order esbanja graça nas mochilas arredondadas ou de campanha e nas incontáveis variações da modelagem de calçados. Bem bonitos os abotinados simulando meia e sandália, a variação de solados e saltos, e os materiais em junções inesperadas. Acorde final inspirado este.
Quinto dia
Ultimo dia do Fashion Rio tem cinema, a cor negra, insetos, rigor construtivo e um frio de fazer inveja ao Alasca como fontes de inspiração. Confira.
Nica Kessler
De raros cabelos soltos, as garotas Nica Kessler estavam bonitas, com algo de bem comportadas sem parecerem envelhecidas, resultado da correta inspiração retrô, que dá unidade à coleção. São bons os casacos pesados, de comprimento longo e corte alfaiataria, e os modelos curtos, especialmente a versão de jaqueta perfecto. As calças seguem tendências da estação, com cinturas altas e pernas amplas. O cinema é fonte de referência para um inverno romântico, em especial “Mary Poppins” e “Ironias do Amor”. Isto é o que a marca divulga. Como o resultado não é literal, estas relações chegam transformadas para nós, meros expectadores, e o que motivou o estilista vira apenas o que vemos.
Oestudio
O mix para garotas tem bons vestidos longos e belo macacão sem detalhes, afunilado em baixo e com delicada distribuição de folgas ao longo do corpo. Para rapazes, jaquetas e casacos em matelassê estão entre as melhores peças da coleção. O casting negro, as máscaras renderizadas, makes inquietantes e estamparia digital carregam a roupa urbana, atravessada por muitos significados. Quem espera mais roupa do que outras coisas pode detectar certa debilidade. Melhor abraçar a coisa por inteiro, que o trabalho do Oestudio é coisa rara e séria, e ainda tem senso de humor e de espetáculo. A coleção é fruto da parceria com os alunos da escola de arte e tecnologia da Oi, a OI KABUM. Os estilistas da marca desenvolveram oficinas para refletir sobre a cor negra e a história em torno dela, relacionando cor de pele e cor pigmento, em desfile intitulado “Com Ciência Negra”.
André Marques
Besouros mobilizaram a atenção da estilista, que ainda incluiu em sua pesquisa a motivação de outros criadores, artistas e joalheiros também apaixonados pelo inseto. A silhueta alongada, mais baixa da cintura, o caimento fluído das saias e vestidos e os ajustes de calças e blusas, as mangas românticas nos desenhos amplos, e os detalhes ajustados no punho e na gola gravata, são partes de conjunto equilibrado, que conta ainda com bom trabalho de estamparia.
Lucas Nascimento
O gosto por volume e geometria segue no comando do projeto de moda do Lucas Nascimento, brasileiro radicado em Londres que desenvolve coleção em malharia lá no Rio Grande do Sul. No momento, ele simplifica, aposta no movimento associado à forma e pensa na usabilidade do tricô em coleção muito bem fundamentada, e de alta voltagem sexy, considerando o rigor da construção. Em grande parte devido às áreas que ele abre sobre o corpo, explorando transparências reveladoras.
Ausländer
A marca cita o aventureiro Chris McCandless, norte-americano que se embrenhou sozinho pela imensidão selvagem do Alasca até ser achado morto em 1992. O diário encontrado com ele rendeu livro best seller do jornalista Jon Krakauer e o filme “Into the Wild”, do Sean Penn. Para homenagear esta aventura por regiões geladas, lança mão de peças pesadas e engata uma espécie de elegia do frio e da roupa de proteção a ele. E faz isso desfilando em dia quente e abafado no Rio de Janeiro, sem grandes inovações, um pouco fora de lugar no inverno tropical brasileiro. A contradição deixa de existir quando se sabe que a marca vende para uma turma adepta das viagens pelo mundo e provavelmente carente de roupas pesadas e com estilo.
Marcado pela tragédia na região serrana do estado, este Fashion Rio também será lembrado pela intensa agitação, acima dos níveis de edições anteriores. O movimento que literalmente engarrafou o Píer Mauá, refletiu-se na visitação aos estandes e na abarrotada sala de imprensa, traduzindo o bom momento econômico do país e o eterno poder de sedução do balneário carioca. Fim de papo. Agora é arrumar as malas e partir para a São Paulo Fashion Week.
Fonte: Blog da Têxtil Santa Inês